Saturday, November 3, 2012

500 (2ºparte)


    O acordar foi um sacrifício, em "auto piloto", até ao primeiro "toque" da água semi-fria do duche, que lentamente ajudou a equilibrar "os níveis"  entre o cérebro e o corpo.
    Os meus companheiros de quarto já estão mais avançados e com o pequeno almoço já tomado: Eu, como me enfiaram à socapa no quarto às tantas da manhã, não tenho direito a pequeno almoço.
    Como uns donuts que estão ali perdidos no quarto, (dentro de uma embalagem de plástico) enquanto apresso-me a ajeitar a "carga". Olho o zapping que se vai fazendo, para ver "as condições" do tempo, e improviso uma maneira, de manter os pés secos e quentes, ou no mínimo..."menos" ensopados e gelados.

    Depois de todos, estarem prontos a seguir, já com o equipamento "não tão indicado para andar à chuva", devidamente "impermeabilizado" por sacos de plástico pretos e fita adesiva castanha, resolvemos fazer a partida, seguindo eles para as motas na garagem, e... esgueirando-me eu...pela porta da frente em direcção ao sitio onde tinha literalmente "abandonado" a minha companheira ontem à noite (não longe,entenda-se! logo em frente à porta do hotel!). 
    Na rua, o cenário era triste, cinzento e frio. A chuva tinha dado um tempo para respirar e para deixar a terra empapar a água que caiu durante a noite, mas não dá grandes esperanças de melhorar. Apresso-me a fazermo-nos à estrada, para puder ignorar este "primeiro" frio da manhã e encontrar aquela "primeira posição" que faz com que as "tiradas" entre bombas sejam concentradas nesta paixão que se tem com as motas... 
    Entretanto em simultâneo, "pela boca da garagem", o som anuncia a saída dos outros. E sem grandes cerimonias, metemo-nos ao nosso caminho.

    Com isto, os primeiros kms não trouxeram nada de novo ao cinzento do dia e sem nos acomodar-mos, parámos, para meter gasolina, e limpar a alma e as réstias de sono com um café.
    Nesta primeira pausa, o sol "esboçou-se", o que fez com que um cigarro se transforma-se  "confortavelmente" em dois, fiados na sorte de viajante. Sorte que se acabou por cumprir, porque após termos voltamos à estrada, a manhã começou a correr melhor, (talvez, mais fácil ,por termos decidido "fugir" para sul, diga-se!).

    Agora, em plena batalha nos céus, o "Deus Fogo" ia-se tentando impor, mostrando o seu "poder", com um calor que nos tocava "confortavelmente" a pele, e aclarava todo o céu num azul pintado por detrás das espessas nuvens.
    Isto tudo fazia o alcatrão se desenrolar à nossa frente...numa velocidade que "conforta" os sentidos, fazendo-nos "quase" planar junto ao solo.
   
    Tínhamos combinado, logo de manhã, parar numa cidade "maior" (numa dessas grandes superficies ), porque havia quem quisesse comprar umas calças, que ajudassem numa "chuva como a de ontem".
    E assim foi...desviamo-nos, por momentos da "nossa rota", guiados por "placardes" gigantes na beira da estrada, que iam dando as direcções como publicidade.
    "Encaminhados", estacionamos as motas mesmo à porta e quem não tinha "compras de última hora a fazer", ficou por aqui (como estou!) sentado no passeio. Vou enrolando um cigarro enquanto  deixo o corpo descansar das duas primeiras horas de viagem.
    Soltam-se conversas sobre estes primeiros kms, sobre o tempo que "nos espera" e sobre acessórios "que já devíamos ter",mas nunca compramos. Assuntos desta maneira "velha" de viajar, onde por vezes, a comodidade e a resistência se fundem no prazer em "andar de mota".
    Apostamos que o mais certo era "estas calças" chegarem a casa, embrulhadas no saco da loja sem terem sido usadas, ( e... nem sempre que isso aconteçe, quer dizer que não se volta a apanhar chuva).
    Compras feitas, combinamos que rumamos mais uma hora para sul (as motas tinham sido atestadas á pouco tempo). Parávamos, então, por essa altura, para almoçar numa aldeia qualquer pequena, onde haja "um sitio para comer e... "cerveza ".
    O acordo foi geral, mesmo para os, como eu, lhes era indiferente o sitio.Mas momentos antes de arrancar, já com o pé sobre o selector de mudanças, alguém pergunta:
    -" Uma hora para sul porque???"
    -" Porque tu és o único que tem conta- kms!!!" Respondi.
    Ouvi uma gargalhada de dentro do capacete, que-me levantou o polegar num sinal de "fixe, vai-te foder pá!!"( sem a maldade, claro!) mesmo antes de arrancar. Retorqui com o mesmo sinal , baixei a viseira e ri-me também...sem perder muito tempo, para não me deixar ficar para trás.
   
    Rolamos, a uma ritmo rápido (mas não num frenesim desenfreado, entenda-se!), o que faz com que levemos uma ligeira ponta de adrenalina "atiçada". Gosto de viajar assim: atento, desperto, envolvido na estrada e na dança de equilibrio com o vento, como se o movimento das motas, tivesse num tempo diferente do restante à nossa volta. Uma realidade escondida "entre o real de viver e a rebeldia de se sentir vivo".
    E com isto o tempo voa. Voa e vôou, rasgado pelo trajecto que traçamos. Claramente já tinha passado "uma hora". Mas pareçia que ninguem queria desistir, ou dar parte fraca, então continuava-mos a "bater terreno", eventualmente, pensava eu, até alguém se "queixar" de gasolina.
    Claro que a inteligençia de quem ia a frente falou mais alto ( ou então a fome !!!) e encostamos numas bombas.
    Pela primeira vez, encontramos um outro grupo de "gente das motas". Nas sua trails "altas", com proteções para "varios" tipos de queda . Todos vestidos com fatos para a chuva e botas "dessas, de andar só de mota".
    Enquanto, desligava-mos os motores, já havia quem se apressa-se a sacar  cigarros de dentro de pequenos "tupperware" que traziam nos casacos (*), não fosse, a conversa não dar tempo para mais "um prego". (* maneira "estanque" de transportar tabaco em viagem)
    Olhei para o outro lado da estrada, neste compasso e não me intrepetem mal... nem sequer, de alguma maneira critica, mas lá estavam eles, a olhar meio superiormente "aparvalhados", com os seus fatos pretos com degradé para castanho, luvas e capacete a fazer pandã, caixinhas laterais de aluminio brilhante e equipamentos que dá para nos perdermos, para lá do fim do mundo e voltar... com uma "gaja" a dizer qualquer coisa como:
    - " depois de 200 metros , chegamos ao seu destino...".
    Claro que ironizo a visão, mas no fundo, olhando para nós, deste lado da estrada, com as motas todas cagadas, carregadas de sacos de plástico pretos (que protegiam a carga), fatos de chuva rasgados(ou improvisados), capacetes esquisitos e luvas de verão. Era no minino... romântico... o constraste ( as gentes das motas percebem o que estou a dizer, sem o minimo de ironismo!). Eu pessoalmente não tenho de curtir a "pinta" de ninguém, mas consigo perceber a "pinta" de qualquer um ( até as mais excentricas!). Será... que eles percebiam que esta era a nossa "pinta" sem nos "julgar", como eu lhes estava a fazer a eles?
    E foi deste monólogo, meio perdido no pensamento, ( que, de repente... ganhou uma dimensão exagerada, com o "off" dos nossos motores"!) que vi as "altas" trails arrancarem silenciosamente, e desapareçerem no acesso à estrada. Fui chamado então para a conversa do almoço.
   
    Paramos 5 kms mais à frente, num café à beira da estrada, com esplanada e... sol. Pode ser o pior sitio do mundo, mas neste momento e quando os copos de "cerveza" são postos em cima da mesa, reluzentes num doirado quase artistico, pareçe-me ser um pequeno paraíso.
    As mesas á volta estão cheias de tralha, capacetes, fatos de chuva. A malta não esperou para se pôr em t-shirt e há quem tenha as botas a secar ao sol.
    Estou quase deitado numa dessas cadeiras de plastico, com um sol quente na cara que me faz cerrar os olhos. De fundo, oiço os "estalos"  dos motores como que a  " esticar os ossos" antes do descanso .
    Tudo o resto à minha volta, é-me "quase" alheio, ate que... alguém me pergunta o que quero comer numa "língua estranha" ( ou pelo menos, prefiro considerar estranha!), aponto que quero o mesmo de quem está ao meu lado, e mais uma rodada de "cervezas".
    E assim foi antes de almoço, com a segunda rodada a vir ajudar a me endireitar na cadeira, ganhar "vontade" de enrolar um cigarro e olhar á minha volta. A casa que se encontra á nossa frente, tem uma cor quente mas uma fachada "fechada" sem janelas, com uma vergonha qualquer, que parece  esconder do mundo  "pecados e prazeres". De resto,e ao redor, o "estado de espirito" é geral, pagou-se caro a chuvada de ontem, e este sol é um premio merecido, até para nós, que estamos só de passagem.
    As motas entretanto já dormem, para ali, num profundo silençio...O cenario perfeito, em frente a esta reles esplanada, que poderia ser o pior café do mundo, mas neste momento é realmente um pequeno paraiso.


    A viagem seguiu após o almoço, mas estamos parados numas bombas e ainda não andamos mais que 10 kms.
    Aguardamos, sentados ao lado das motas, que o telefone toque. E ele toca, para "divertir" ainda mais a situação:
   
    -" Aonde estão??"
    -" em sentido contrario ao teu!"
    -" mas que raio...??"
    -" porque tu te enganas-te na saida, depois das portagens"
    -" foda-se não acredito..."
    -" pois, pareçe que sim pá!" 
   
    O fim do telefonema, foi mais rápido que a gargalhada de quem falava deste lado ao telefone. Resta-nos esperar.

    Vou buscar umas "latas", para bebermos alguma coisa, enquanto tento orientar a lógica sobre esta paragem forçada...
   
    Saímos do café onde almoçamos, mas para nos despedir-mos deste que foi confortavelmente um "bom porto para parar", ainda queimamos um cigarro enquanto atulhávamos as motas, com o material de chuva. Estavamos rendidos ao tempo. Arrumamos os "casulos" e "pusemos" de fora as "tradicionais" gangas.
    Logo após arrancar, apanhamos uma portagem, e como só tinha um balção aberto, fizemo-lo á vez. O primeiro pagou e arrancou, o segundo igualmente , só  com a diferença de...ter-se enganado na saida e acabou no sentido oposto á nossa direção. Com isto valeu-lhe mais uns 20 kms e certamente o "emblema" do "no smoking after lunch" para o resto da viagem.
    Estima-mos, que não deveria demorar muito, pois certamente ia ainda aproveitar a "acelaração" que o levou para o "outro lado" e fazer o caminho de volta de punho enrolado.
    E assim foi ! Quando chegou (dentro do tempo e da "aceleração" estimada por nós), teve ainda de pagar uma rodada aos restantes. Não demorou o tempo suficiente, para o pudermos culpar de tudo até ao fim do dia , mas,  não o ia-mos deixar esquecer ...
   
    Voltamos à estrada e, agora por união, perdemo-nos "todos" outra vez... ou melhor, mais duas vezes. Na realidade, não nos perdemos, apenas  mudamos duas vezes de "opção de percurso", por termos "falhado" as saídas que queriamos.
    Mas no fim, acertamos na sorte e acabamos a rolar numa estrada cada vez mais litoral.
    O horizonte, durante largos kms, foi preenchido por terras irregulares "povoadas" de enormes ventoinhas, que rodavam, criando a ideia da potençia que gera o esforço sobrenatural,daquela enorme pá.
    Enganaram o Dom Quixote, e foram "divertidamente",por algum tempo, enganando-me a mim, enquanto passava-mos junto aos seus enormes pés, como pequenos insectos num campo de girassois, todos virados "para o vento ".

    Paramos, durante a tarde mais duas vezes , com tempo para atestar e respirar um pouco. Tudo sem grandes pressas até chegarmos ao litoral, e "batermos" com o mar. A estrada, então, tornou-se mais sinuosa e "frequentada", banhada por aquele  "espelho", e enquanto fomos fazendo as colinas num movimento paralelo à linha de água, iamos roubando imagens de vistas únicas daquele "velho gigante".
    Começamos a encontrar "comunidades de surfistas", parques de campismo e restaurantes do mesmo tema. Cada vez mais e mais "sítios" relacionados com desportos náuticos. Surf, windsurf, kitte surf ( este último, talvez, o que se repetia mais vezes)... e mais uma serie de nomes anunciados em placas à beira da estrada e em fachadas semi improvisadas de madeira com uma construção "tosca".
    Acho que todos pensamos o mesmo... "aqui e um sitio com "boa onda" para ficar". E realmente era engraçado! Os estabelecimentos iam-se estendendo ao longo da estrada nacional, em casas de um lado e de outro.
    Restaurantes, lojas, parques de campismo, escolas, banglalows, cafes e ... ate uma farmácia com uma máquina da coca-cola à porta. Tudo entre a folhagem das árvores e muros baixos  que iam aparecendo  bem integrados na paisagem.
    Mas por mais agradavel, que fosse, este sitio "com cheiro a mar", e mesmo sem compromissos no destino, levava-mos no pensamento, chegar ao "rochedo", que já se ia "mostrando" lá ao fundo.

    As praias, aos poucos, começaram a ser substítuidas por passerelas de betão "cravadas" com gruas, onde enormes navios se "encostavam" para descansar .
    A noite, entretanto, começava, a "cobrir" o céu. Um entretanto que durou pouco, e em menos tempo do que eu "esperava", rolávamos de noite, num subúrbio cada vez maior... com cada vez com mais transito.
    As placas iam passando e dava-me a sensação que seguiamos sem direção, mas era evidente o nosso destino. Destacava-se num vulto escuro no horizonte, cada vez maior, pois estava cada vez mais perto.
    As rotundas, sucediam-se, fazendo com que as motas , esticassem e encolhessem o movimento "conjunto entre elas" de uma forma desorganizada, só a "curtir" a    pressa de chegar á proxima rotunda.
    Sabiamos que não ia-mos arranjar nenhum buraco, aceitavel e barato para dormir no "rochedo", então decidimos parar na povoação anterior que faz "la linea", e tentar arranjar uma cama.
    Acabamos por ter sorte, procuramos pouco e sem paciençia. Acabamos por encontrar, um sitio simpático e o "suficientemente em conta", para despejar a tralha e ir comer alguma coisa. Tinha, inclusive, parque para as motas, se "trancassemos" dois carros de outros hóspedes. Mas como sabiamos que, amanhã, tinhamos de arrancar cedo, o lugar pareçeu-nos ideal.
   


    O jantar vem em diversos pratos, que nos vão colocando na mesa, numa simpatia "quase" verdadeira. Cheiros fortes e molhos de cores estranhas, enchem a mesa em iguarias orientais. O sitio não tem grande aspecto, mas foi uma sorte!
    Antes de meter o garfo, no prato de arroz branco, vou tentar situar-nos na história.
   
    Largamos as coisas nos quartos e seguimos, para  o rochedo "imponente", talvez a terra inglesa mais "solida"( divirto-me com esta descrição romantica deste "pequeno pais". A verdade é que acenta bem, ao seu ar pitoresco).
    Mas dizia, quando passamos a fronteira (porque tem fronteira!), já se sentia pouca vida, na pequena cidade. A noite já ia tarde, para os horarios que por cá se fazem, e tirando as bombas ( Com preços baixos , devido às taxas), sentia-se o pouco movimento.
    Encostamos as motas e fomos á procura de um sitio para comer. Aqui não há "cerveza", só "pints", mas as portas dos pubs ja estão fechados, e tirando um ou outro que já tenham passado a bares dançantes, não viamos aonde comer.
    Vadiamos um bocado pelas ruas, de capacete na mão ( o frio não deixava tirar o casaco), espreitamos as ruas e ruelas á procura de um restaurante, mas sem perder o fascinio daquele "sitio antigo". A esta hora, com as ruas vazias, deixadas num estado quase poetico, podemos dizer que esta cidade cresceu nas paredes de uma montanha, enraizando-se na pedra, com a segurança daquele gigantesco canhão, que do topo do rochedo, fiscaliza de olhar altivo, todo o movimento desta baia "historicamente" tão importante.
   
    De repente, avistamos um restaurante Indiano. tinha uma boa apresentação, com música ligeira que acompanhava a conversa animada de uma unica mesa com clientes tardios. Um de nós, entrou para perguntar se ainda serviam. Vimos, o homem acompanhar o nosso interlocutor á porta e percebemos que ainda não ia ser ali... mas a simpatia para forasteiros não pára de surpreender, na verdade, veio á porta para nos dar as direção para outro, que ainda estaria aberto "por estas horas".
     Agradeçemos a simpatia , com o homem a repetir do porta do restaurante:
    -"it´s very good sir, it´s very good...it´s where indian people buy indian food sir!...it´s very good!"

    Seguimos, mais ou menos as instruções,( ainda não muito convencidos do "It´s very good sir" e lá descobrimos numa rua quase ruela, o sitio.
    Tivemos de nos rir, era uma tasca indiana, com as paredes forradas a azulejos e um degrau desnivelado á porta
    O homem do balção, era pequeno com um bigode comprido (comico!) branco. Esperou um momento, antes de perguntar algo, e quando o primeiro se aproximou, perguntou, numa simpatia ate estranha, o que queria encomendar...
    Houve o silençio, ainda ninguem tinha pensado nisso. Eu por exemplo... estava encantado com a carne a ser grelhada numa mistura de cores e concerteza de sabores, todos eles, seguramente "picantes".
    O Homem percebeu a nossa isitação, e cortou conversa:
    - "everthing very good sir, try this... or this... very good sir".
    O silêncio passou..."-everthing very good sir"...Everthing very good, era mesmo o que queríamos, e mesmo sem entender bem o que podíamos comer,
não perdemos mais tempo.
    O homem mandou-nos sentar, na única mesa que o "tasco" tem. E começaram a vir diversos pratos, que vai colocando na mesa, numa simpatia que termina sempre com "sir" no fim da frase.
    Cheiros fortes e molhos de cores estranhas, enchem a mesa em iguarias orientais. O sitio não tem grande aspecto, mas parece-me que tivemos sorte!
    Antes de meter o garfo, no prato de arroz branco, já bebemos cerveja indiana (oferecida), comemos umas chamuscas "inchadas" e continuamos a provar varios molhos de varias cores, em tiras finas de massa fria.
    Tirando nós, o resto dos clientes eram indianos, que iam entrando e pedindo num inglês "colonial", os pratos que queriam, na maioria para levar.
    Bom! o importante é que tinhamos arranjado sitio para comer... e bom!
   
    O caminho de volta para as motas, depois de jantar, foi descontraído, de cigarros na boca, por ruas completamente vazias, e pequenas praças silençiosas ( nem um macaco conseguimos avistar!!!).
    Pegamos nas motas, que num ultimo esforço,atormentaram a paz dos poucos que se encontravam ali nas portas da cidade velha.

    A viagem até ao nosso hotel, foi felizmente rapida, e em minutos, tinhamos ocupado os lugares de estacionamento (bloqueando como previsto os tais dois carros) e sentamo-nos num banco de rua do outro lado da estrada.
    O rescaldo do dia já tinha sido feito ao jantar, por isso agora falamos de outras coisas. E quando se fala de "outras coisas". Soltam-se conversas, que... como se diz, vêem sempre aos pares, saltitando entre assuntos e opiniões
    Mas pela primeira vez, também se fala no cansaço do corpo, e... como consequência da hora da noite, isso começa a ser o assunto dominante.
    Combina-se então, como última conversa, a hora de saída, o percurso "mais ou menos" até ali e o depois "logo se vê".
    Para acabar "desdenhamos" do monte de kms que temos para amanhã. Mas sinto que todos sabemos que vai ser um dia longo.

    É com este pensamento que me levanto do banco (ou melhor, nos levantamos!). O transito já era escasso a esta hora e os carros passavam a "conta gotas", alguns mais animados que os outros.Olho discretamente para o predio à minha direita antes de atravessar,( já tinha tido este pensamento antes, mas agora confirmo de pé...)  Pareçe mesmo a casa do terror da antiga feira popular. Inevitavelmente, viajo no tempo e visualizo a "outra", que nos enchia de uma expectativa "medonha", só de ouvir os barulhos, ainda lá longe, no meio dos carrinhos de choque.
    lembro-me que a fila para entrar era sempre "comprida" e como o meu pai tinha por costume ir dar primeiro uma volta, guardava-se "essas coisas" para depois de jantar.
    Logo quando voltávamos, a expectativa era ainda maior, ajudada pela noite, que fazia as luzes criarem um ambiente ainda "pior". Até os bonecos se mexiam de uma maneira diabolicamente naturall, disfarcando aqueles movimentos "mais" mecânicos. Tenho noção que enquanto durava a espera para entrar, tentava não olhar, para não mostrar medo( disfarçando com "piadolas", na conversa com os miúdos que estavam comigo). Mas esperar naquela fila, depois de jantar, já com a noite caída, "matava" qualquer um.    Havia alguns (miúdos) que desistiam mesmo ali à porta, amedrontados pela bruxa que mexia pacientemente o caldeirão na varanda do edificio.
    Nós, os que conseguiam ultrapassar perigos e obstáculos, fugir de zombies e vampiros, saiam por uma porta que rodava. Eramos recebidos pelos os adultos em euforia, que tinham assistido cá fora  ao percurso, por televisões a preto de branco, "captado" por câmaras " que filmavam no escuro".
     Claro, alguns choravam o caminho todo, e esses chegavam empurrados no meio dos grupos. Eram quase sempre os primeiro a sair,da ultima sala, geralmente seguindo em passo rápido para disfarçar a "fraqueza" nos joelhos.
    Eu enquanto esperava na fila, olhava isto tudo e ficava sempre com a sensação que levavam passo rapido porque se tinham "borrado" nas calças de medo e divertia-me a imagina-los a correr para o WC ( que era lá do outro lado!) ainda a "bufar" do cagaço que tinham apanhado..
   
    E foi do outro lado, não na feira mas da estrada, que um "companheiro" de viagem ( desta e de outras!) me chamou:
    - "então vens ou não?"
    Os outros já tinham atravessado, e eu estava ali especado, a olhar aquela casa, que por momento foi ganhando uma dimensão irreal,como fundo de cenário do meu pensamento.
    Acabei por arrastar a história, arrastar-me a mim (e arrasta-los a vocês também agora!) ...talvez devido ao cansaço ou talvez devido a "outra coisa qualquer".
    Abanei a cabeça, em sinal de confirmação e dirigi-me para a porta do hotel, onde ele ficou á minha espera.
    - " Foda-se, já reparaste que aquela casa é mesmo parecida com aquela que havia na feira popular? "
    Sorriu... o que o fez entender, que eu sabia exactamente do que ele estava a falar. Por isso continuou...
    - " Aquilo era lixado!!! lembras-te??"   
    Parei mesmo ao lado dele, antes de entrar, acabei de abrir a porta que já estava semi-aberta, bati-lhe com a mão no ombro e disse-lhe:
   
    - " e a bruxa pá... a bruxa e a merda do caldeirão."
   
    A gargalhada assustou o dormitar do homem da recepção e ecoou na pequena sala de balcão alto. Penso que ainda disse alguma coisa mas... não nos apeteceu traduzir, limitamo-nos a levantar o braço e dizer: " Então até manhã..."


( continua...)

3 comments:

Anonymous said...

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Hamarhu said...

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